sábado, 20 de outubro de 2018

TIRINHAS DAS CASCAS E GELEIA DAS MEXERICAS



Que lindas mexericas morgote eu comprei! 
As morgotes são o resultado de um cruzamento feliz entre a laranja e a tangerina.
A cor alaranjada da fruta é um convite; e a salivação é a prova que foi instigado o sentido que provoca a gula!
Eis que senão quando, pediram-me uma receita de geleia de mexerica e foi assim que aprendi a fazer a geleia e a aproveitar as cascas!
Nas minhas pesquisas, nos livros de receitas da minha mãe e nos que ganhei ao longo da vida, procurei por geleia e achei só de laranjas. 
Aí, descobri que não deveria jogar fora as cascas, pois posso fazer um doce em tirinhas (lembro-me de ter visto alguém vendendo esse doce de casca, certa vez. Há uns bons vinte anos. Não me apeteceu. Tinha restrições a essas receitas que usam cascas).
A receita da geleia (veja bem, da geleia) ensina a aferventar cascas, descartá-las e, em seguida, a aproveitar a calda da fervura para essa geleia...
Pensei, então, não vou descartar as cascas! Vou fazer doce delas para experimentar se gosto...
E fiz o doce de tirinhas com a casca - e a geleia com a calda.
Tudo ficou supimpa!
De olhos bem abertos, então, daqui pra frente!
Pois vamos ter duas receitas com as mexericas!
Mãos à obra: 
                Tirinhas
Descasquei seis mexericas e reservei as cascas. Tive o cuidado de retirar aquela parte mais durinha e risquei a casca, com faca, para facilitar a retirada em quatro pedaços. Pus todas as partes em vasilha, cobri com água e levei ao fogo para ferver. Repeti o processo três vezes. Escorri a água e deixei as cascas esfriarem. Cortei, então, as tirinhas.
Devolvi as cascas em tirinhas à mesma panela, acrescentei uma xícara (de café) de água e uma (de chá) de açúcar e levei, novamente, a panela ao fogo. Mexi, vez ou outra, com colher de pau (não pode ficar em ponto de calda grossa; então, precisei acrescentar duas colheres (de sopa) de água) e esperei as tirinhas ficarem no ponto de brilho.
Assim que vidrou, desliguei o fogo e escorri, em peneira, recolhendo a calda e reservando-a.


As tirinhas ficaram esfriando, e escorrendo...
Depois de bem escorridas e frias, passei-as no açúcar, e espalhei-as sobre papel manteiga para secarem.
Assim que secaram, coloquei-as em pirex e deixei-as bem à mão, pois ficam irresistivelmente atrativas aos olhos e ao paladar.


               Geleia
Pus a panela com a calda no fogo e acrescentei pedaços das quatro mexericas (que cortei em pedaços, tendo o cuidado de retirar sementes); uma xícara (de café) de água; e uma xícara (de chá) de açúcar. Deixei cozinhar por uns quinze minutos. Aí, desliguei o fogo e bati o conteúdo no liquidificador. Depois, coei e levei, novamente, ao fogo. Deixei cozinhar até dar o ponto de geleia (fui testando num prato onde punha meia colher do doce e esfriava até conseguir o ponto certo...).
Despejei, então, em dois potinhos de vidro, daqueles de boca larga. Ficou pronta a geleia.

A grande pedida é apreciá-la sobre uma torrada, acompanhada de um chá fumegante. Achei o resultado perfeito!

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

ROCAMBOLE



A receita original pede pra separar as gemas e as claras de quatro ovos. Assim que separei, retirei a película de cada gema (também vale passá-las por uma peneira), ou o cheiro de ovo vai interferir e desmerecer a quitanda maravilhosa.
Amo rocamboles!
Minha mãe de mãos mágicas fazia rocamboles deliciosos.
Recheados de doce de leite; de beijinho de abacaxi com coco; de doce de goiaba; de geleia de morango...
A menina de olho comprido que eu era acompanhava cada gesto; cada etapa.
Hoje, fiz a receita mais prática de todas; aquela que não tem erro. 
Mas rolou arrependimento! 
Porque não resisti e saboreei duas belas fatias, logo de cara.

Depois que pus as quatro gemas (retirei as películas), no liquidificador, acrescentei duas xícaras (chá, rasa) de açúcar e liguei-o pra bater por três minutos. Acrescentei as claras (não me preocupo em bater clara em neve, não) no estado natural (liguei por dois minutos); dez colheres (sopa) de água (liguei por um minuto); duas xícaras (chá, rasa) de farinha de trigo (liguei por três minutos) e uma colher (chá, rasa) de pó-royal (mexi, com a colher até incorporar o fermento). A massa está pronta!
De antemão, já tinha untado, com margarina, e polvilhado, com farinha de trigo, uma assadeira retangular; porque a massa cresce a olhos vistos e é preciso despejá-la logo, na assadeira que irá ao forno.
Também pré-aqueci o forno a 180’.
Enquanto assava, preparei um pano de prato limpinho que umedeci, torci e estendi sobre superfície lisa. Sobre esse pano, assim que assou, e retirei do forno, ainda quente, o bolo foi desenformado. Sobre o bolo, espalhei doce de leite Itambé, aquele doce pastoso, delicioso. Aí, enrolei o rocambole, com a ajuda do pano.
Se gostar, é só polvilhar açúcar refinado, por cima.
Fica bonito na foto.
Também tem a opção de polvilhar glaçúcar; ou de espalhar glacê; geleia de morangos; calda de chocolate...
Gosto dele sem cobertura.
Dia desses, falei com a prima Diomar, pelo telefone, e ficamos de olhinhos marejados quando ela me contou, lá da minha terra natal:
- Hoje, fiz aquela receita de rocambole da sua mãe. Aquela que leva dez colheres de sopa de água. Todo mundo que veio aqui na minha casa comeu dele. Ninguém ficou só num pedaço. A minha parte eu guardei pra comer quietinha, mais tarde, pensando nela. Tenho lembrança do dia que ela me passou essa receita. Foi assim que ela e o seu pai começaram a mexer com padaria, de sociedade com meu irmão Raul Móris.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

ESCUDIGUIM


É um tipo de linguiça esse tal de escudiguim que, na minha família, tem o apelido saboroso de cudiguim.
Era especialidade da minha mãe.
Foi na sexta que encuquei que iria fazer escudiguim igual ao da minha mãe! E ela me incentivou (sinto como certa a minha conexão com ela). Confesso que até me preocupei com a pressa que percebi nesse incentivo! Será que estou com pouco tempo por aqui? Acho que não. Ela ela era mesmo imediatista...
Minha mãe foi uma senhora cozinheira! Meu Deus! Uma simples abobrinha refogada feita por ela era de lamber os beiços. O segredo está em escolher os ingredientes certos, dizia ela. E eu sabia que essa tal linguiça que se cozinha no feijão só presta se for feita com a barriga do porco. Ouvi isso muitas vezes.
No sábado, já acordei com um grilo empurrando-me pro mercado. Mas, só pude ir à tardinha. E não achei a tal barriga de porco.
Passou o domingo, a segunda já estava seguindo seu curso, e eu dei uma cochiladinha, de leve, logo após o almoço. Bem leve. Uns 20 minutos. Acordei sabendo aonde ir: ao mercado, comprar barriga de porco (também conhecida como fraldinha). O açougueiro tinha dito que chegaria na segunda, à tarde.
Comprei logo 4 quilos. E pedi pra separar a pele. Em casa, pus a pele para ferventar em água com sal, até amolecer um pouco e ficar fácil de cortar, em pedacinhos.
Separei a carne e a gordura e piquei tudo. Também em pedaços pequenos. Usei três partes de carne; duas de pele e uma de gordura. Tudo picadinho.
Temperei com sal, cobri e reservei. Deixei sobre a pia, por uma hora, e, então, pus na geladeira. Só peguei, novamente, no outro dia, à tarde.

Sem medo de ser feliz, em contato com o passado, quando, ao lado dela, fazíamos a iguaria, fui retomando os ensinamentos: não pode moer; tem que picar. Nem tente fazer na máquina; tem que empurrar a mistura, no funil, e ir enchendo a tripa, com cuidado...
Na terça, de manhã, descobri que as tripas que eu tinha já eram. Claro! Eram ainda do tempo da minha mãe viva. Pedi, então, ajuda da nora Yanne. Ela comprou um pacotinho com dez metros e trouxe pra mim.
Aqui, abro parênteses para voltar aos meus 8 até 12 anos, quando a minha história registrou minha mãe lidando com capado esquartejado sobre a mesa da cozinha, lá na minha terra natal. Ô saudade! A primeira prazerosa investida pra matar a ansiedade de degustar as gostosuras que, magicamente, sairiam do porco transformado era o suan. Huuummmm E ela ainda fazia pernil assado. E carne de lata, na banha. E costelinha com mandioca... Saudade é palavra insossa pra essa nostalgia do paladar que a memória da criança nunca vai deletar.
Só não gostava de ver minha mãe limpando as tripas. Um espetáculo horroroso! Malcheiroso! De dar engulhos! Depois que ela se livrava do “recheio” (raspando com as costas da faca), ainda lavava muitas vezes. Virava do avesso, lavava; e revirava as tripas, e lavava... Depois, deixava de molho, com bastante limão. Umas boas cinco horas. Escorria a água, salgava bem, punha numa peneira e deixava secar ao sol. De leve. Se passasse do tempo, podia jogar fora, pois, quando fosse fazer a linguiça, apareciam furos; e adeus a todo aquele trabalho...
Pensava cá comigo “nunca que vou fazer isso de lavar e preparar tripas!”.
Pois com a solução do assunto tripa resolvido pela minha norinha, arregacei as mangas, prendi cabelo, respirei fundo e imergi no passado, nos cenários todos do passado, nas cozinhas do nosso convívio, onde a companhia da minha mãe era a garantia que o resultado seria supimpa. Com a confiança de mãos dadas com os ensinamentos, comecei os trabalhos...
Avaliei que não usaria todos os dez metros tripa. Separei um pouco. Lavei pra retirar o sal. Pus de molho em água com limão e reservei.
Retirei a mistura que estava na geladeira, desde o dia anterior, e fui colocando quantidades pequenas dela (modernidade!), no meu processador (liberdade de criação! minha mãe picava miudinho – sem máquina - e pronto).
Bati, de leve, para alguns pedaços ficarem inteiros. Atenta porque precisava que outros resultassem amassados, para promover a compactação fácil da carne, com a pele e a gordura.
Até aqui, só sal, na mistura.
No tempo da minha mãe, ela separava a minha porção (não posso comer alho) e, no resto, carregava a mão nos acréscimos (alho; cebola; cebolinha; salsa; pimenta-do-reino)...
Destaco que só acrescentei cebolinha que a norinha trouxe e processei com a última porção de mistura que bati.
 Mistura pronta, hora de fazer a linguiça.

Confesso que tentei encher com o funil, empurrando com o dedo indicador. Não consegui! Não comprei o funil certo (ainda bem!). Apelei, então, para a máquina elétrica de moer (modernidade 2).


Foi até rápido. Teria sido mais se eu tivesse separado a gordura fibrosa. Ela emperrava a máquina, ao enroscar-se na última peça, já na saída, com a mistura preparadinha para ser recheio delicioso de tripa.
Quase me esquecia de contar que tem um pulo do gato! Pois é, tem! E é o espinho da laranjeira. 

Ao decidir o tamanho de cada linguiça, após amarrar as pontas, precisa fazer furinhos esparsos, na tripa recheada. Pra quê? Para que, na hora de cozinhar, a linguiça permaneça inteira e a tripa não arrebente...
Ficou bonita a danada da linguiça exibida.

Guardei na geladeira.
Hoje foi o dia de testar a iguaria.
Numa panela de pressão, cozinhei feijão.
Na outra, com pouca água e pouco sal, cozinhei a linguiça.

Quando o feijão estava quase cozido (assim que se passaram cinco minutos que a panela com o escudiguim pegou pressão, desliguei e reservei), abri as panelas, e despejei o feijão sobre a linguiça. Restou uma panela, portanto. Ainda deixei mais um tempo, no fogo; o suficiente para que o feijão cozinhasse.
Experimentei o sal.
Pronto!
Foi uma alegria sem tamanho chegar ao término da receita e saborear o escudiguim feito sob a supervisão da memória da minha mãe.

Minha mãe tão linda mora em mim. Seus ensinamentos são meu tesouro. Olho no espelho e pergunto como posso ser assim tão ela... 
E sou só agradecimento.
Preciso contar que ficou maravilhoso?
Quando eu fizer mais, convido você que curtiu e ficou com água na boca, com vontade de fazer parte da festa.